EM DEFESA DOS COACHES

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EM DEFESA DOS COACHES

Um texto jornalístico crítico a respeito da grande quantidade de coaches com soluções mágicas para inúmeros assuntos me fez recordar alguns dilemas atuais na formação do líder executivo e empresarial.

Já reparou como está difícil para as empresas reterem talentos?

E como há uma situação paradoxal de desemprego de 9,4%, mas estão sobrando vagas nas companhias por falta de profissionais com soft skills?

Esse contexto dificulta muito para os diretores de RH escolherem as melhores estratégias para o desenvolvimento dos líderes da empresa.

Vou contar 3 histórias que ilustram essas dificuldades que, por questão de ética profissional, estão modificadas nos personagens e exatidão dos fatos, mas com a essência do que desejo ilustrar.

NÃO SEI DAR FEEDBACK

Em 2006, Amaral era um gerente de manutenção que há um ano fora transferido para colocar nos trilhos uma unidade de mineração no interior do Brasil.

O resultado que ele obteve foi extraordinário: a operação estabilizou-se, as paradas não-programadas praticamente zeraram e como prêmio… seria demitido no final do ano.

O motivo era que ninguém conseguia trabalhar com ele pois seu estilo agressivo de se comunicar era insuportável para muitos.

Quando fui chamado, em maio daquele ano, o diretor da unidade disse com preocupação que Amaral tinha até dezembro para mudar com o meu auxílio ou seria demitido. E explicou:

– Isto pode significar para mim a perda de R$ 70 milhões – que foi o resultado conseguido por Amaral somando-se a melhora no desempenho da mina e a redução de custos que ele propiciara.

Amaral era engenheiro, muito bem formado e responsável, mas desconhecia as melhores práticas para liderança, principalmente para dar feedback. Nestes momentos perdia o controle emocional e o resultado era desastroso.

Consciente de que, se não melhorasse estaria fora, foi extremamente disciplinado nas reuniões de coaching, conseguia interiorizar o que fazer e começou paulatinamente a obter, com alguma serenidade, o comportamento desejado de seus liderados.

Ao final do ano, ele não apenas foi reconhecido pelas mudanças, mas premiado pela companhia como melhor gestor da unidade, além de acrescentar outros R$ 3 milhões aos 70 do ano anterior.

Amaral sempre foi muito correto e sua dificuldade é comum em líderes de origem técnica alçados a cargos de liderança.

Neste momento, os RHs percebem que há muitos executivos que não estão sabendo lidar com o estresse e as mudanças comportamentais e psicológicas provocadas pela pandemia em seus subordinados. E a pressão por resultados não diminuiu por conta disso. E nem vai. Endereçar essa questão é um desafio muito particular a cada executivo.

A propósito, Amaral, hoje, é diretor de operações.

QUASE DEMITIDO POR NÃO SABER FALAR COM O PRESIDENTE

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Outro caso aconteceu com um coordenador de manutenção que simplesmente não conseguia manter uma unidade industrial sem paradas inesperadas e que seria demitido por isso.

Fui chamado para treinar um grupo de 6 executivos da planta, e o coordenador estava na lista por caridade do diretor. Ele não queria expor o gestor e preferiu mantê-lo no grupo, sem crer que fosse possível mudá-lo.

Quando conversei com Carlos, o coordenador, a respeito dos problemas, ele me disse que precisava de um orçamento de R$ 24 milhões para colocar a planta em ordem, mas que ele tinha conseguido, nos dois anos anteriores, somente R$ 16 milhões.

Este era o motivo dele não manter a planta funcionando.

Segundo ele, a reunião periódica com o Presidente para explicar o valor que precisava era muito curta, coisa de minutos, e ele nunca era ouvido completamente. Era interrompido e obrigado a aceitar o valor imposto pelo presidente – apesar dos protestos dele e do diretor que sempre o acompanhava para dar apoio na reunião.

Foi então que procurei entender o que ele falava para o CEO. Era uma longa história operacional de cada equipamento e instalação que precisava de manutenção. Uma conversa cheia de jargões técnicos e incompreensível para o nível estratégico.

O treino foi ele transformar sua comunicação em linguagem contábil e sintética. Ou seja, saber falar sobre manutenção em termos de redução de custos, aumento de eficiência operacional e economia de tempo e recursos.

Na reunião seguinte com o Presidente, em apenas dezessete minutos, com a nova linguagem, conseguiu a aprovação do orçamento. (Sim, ele era detalhista e sabia exatamente quantos minutos a reunião demorara).

A planta estabilizou-se, Carlos permaneceu no cargo e dois anos depois foi merecidamente promovido a gerente de manutenção de toda a holding.

Em um momento em que os RHs focam tanto o desenvolvimento de soft skills, a comunicação é a primeira que deve ser desenvolvida, para o bem do gerente, de seus subordinados e dos líderes acima dele.

QUERO SER CEO

Amanda era Head de digital em uma agência de marketing e queria desenvolver-se para novos desafios. Tradução: queria ser promovida.

Muito hábil, inteligente e com uma energia contagiante, dois anos após um primeiro ciclo de coaching, conseguiu a promoção para Diretora de Operações.

Mas, foi neste momento que, determinada, fez a mim a seguinte afirmação:

– Quero ser CEO!

Perguntei a ela o que sempre pergunto a todos nessa situação: você sabe como alguém chega a CEO? Quais os riscos e as incertezas envolvidas?

Depois de ouvir a resposta dela, lhe disse a verdade sobre como isso acontece – infelizmente, impublicável – e sugeri:

– Reflita sobre o que lhe falei, volte na próxima semana e me responda diante de tudo isso que lhe espera se você ainda está disposta a ser CEO.

Uma semana depois a resposta foi um resoluto “sim”!

O que aconteceu nos meses e anos seguintes foi muito pior do que havia lhe descrito, mas ao cabo de 3 anos ela conseguiu a tão desejada promoção à presidência.

A história não terminou por aí.

Dois anos depois ela me chamou para um café e quando vi seu semblante abatido e cheio de olheiras cheguei a temer seriamente por sua saúde. Mas, ela me tranquilizou e disse que os últimos meses tinham sido terríveis, mas que estava saindo de férias porque tinha recebido o convite para ser presidente de um grupo ainda maior e que havia aceitado.

Ela é presidente até hoje e está muito bem – inclusive de saúde.

Esta história se conecta com o atual momento no qual os RHs precisam elevar a consciência dos profissionais a respeito de suas responsabilidades pelas próprias carreiras e do papel dos gestores na articulação da carreira desejada por seus subordinados em relação às reais possibilidades deles dentro da empresa.

Não dá para imaginar que tudo pode ser resolvido pelo RH por meio de maiores salários e benefícios. Os líderes precisam ter consciência de que eles são fatores de retenção, já os profissionais de que a carreira está em suas mãos.

POR QUE SOU COACH?

Eu nunca pensei em ser coach. Talvez meus amigos de faculdade já vissem algo dessa profissão em mim, mas jamais tive essa intenção.

Entretanto, por diversas situações provocadas pela crise financeira internacional de 2000, acabei em um evento na Câmara Americana do Comércio, onde Karsten Mangels – coach dos executivos da Amcham – me viu discursar e foi a primeira pessoa que me disse que eu daria um bom coach.

No ano de 2002 fui, a convite de minha irmã, para os Estados Unidos fazer um fórum de formação em coaching e pela primeira vez vi um coach atuando.

Quando retornei, a dona da agência de publicidade que atendia à minha empresa de tecnologia, disse que estava procurando um coach para aumentar seu faturamento – eu respondi que estava precisando de uma primeira cliente para treinar o processo e ela aceitou.

Avisei a meus supervisores nos Estados Unidos e eles me disseram que me dariam o suporte a cada segunda-feira – na verdade, a reunião era na madrugada de domingo para segunda, à 1h, pois eles ficavam na Califórnia.

Com duas semanas do processo de coaching executivo, minha primeira cliente virou para mim e disse com extrema seriedade e tristeza:

– Silvio, preciso que você me ajude com outro problema. Minha irmã está em fase terminal de câncer. Ela está morrendo. Eu faço terapia, mas eu queria um complemento, uma ajuda específica para definir ações para lidar com ela e minha família.

Eu nunca pensei em coaching para lidar com uma situação dessas. Liguei para meus supervisores americanos e disse-lhes que achava melhor deixar o caso, pois era apenas meu primeiro processo e não me sentia em condições de lidar com algo tão grave.

Como os supervisores eram coaches também, a resposta foi:

– Em hipótese alguma você declinará do processo! Você vai continuar e nós lhe daremos todo o suporte.

E assim aconteceu.

Para aqueles que assistiram ao filme “Antes de partir”, é mais ou menos esse o método que se usa numa situação dessas: escrever uma lista de tudo aquilo que a pessoa deseja fazer antes de partir. E fazer de tudo para realizá-la.

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Após 4 meses, sua irmã faleceu e minha cliente estava tão serena quanto possível. Além de lidar com as próprias emoções, foi capaz de dar consolo aos pais e sobrinho que relutavam em aceitar a situação.

Quanto a mim, era difícil o impacto do esforço e das emoções envolvidas e a clareza de qual fora a minha real contribuição naquele drama.

Mas, quando nos encontramos após esses eventos ela me disse apenas:

– Silvio, muito obrigada. Você me ajudou muito.

E foi aí que refleti profundamente que o meu conceito de fazer algo de responsabilidade tinha a ver com a quantidade de dinheiro envolvido na situação. Até então, a maior venda que já fizera era de US$ 10 milhões – em sistemas de TI – e minha meta era conseguir vender mais do que isso, por achar que significaria ter responsabilidades maiores.

Mas, ali, naquele meu primeiro processo de coaching, acompanhar duas pessoas que se amavam lidar com a morte e tentar auxiliá-las a construir planos e ações possíveis naquelas condições e que pudessem de algum modo contribuir com seus derradeiros momentos, foi que percebi o que é verdadeiramente fazer algo de muita responsabilidade.

Aquela experiência selou minha carreira de coach.

Isto foi há 20 anos.

No momento em que tantas pessoas têm de lidar com a morte de entes queridos e com o medo de contrair uma estranha doença, ter um apoio na construção de planos e ações futuras  que complemente o trabalho psicológico é de grande valor para muitos.

SOMOS O ANDAIME DA OBRA

Como disse no começo, é um desafio para o executivo de RH construir uma estratégia sólida de desenvolvimentos dos líderes e profissionais da empresa após dois anos de mudanças tão profundas na vida das pessoas e no contexto econômico e social.

Articular a carreira de ambos com as condições de contorno, financeiras e da cultura da organização, exige não apenas novas tecnologias, mas um conhecimento novo, mais afeito às crises e mudanças bruscas de cenário.

O coaching é uma das ferramentas possíveis e muito útil para o desenvolvimento de soft skills, amadurecimento e alinhamento das lideranças aos propósitos da empresa.

Afinal, não existe transformação digital sem um líder transformador.

Não existe foco nas diretrizes ESG sem conscientização dos líderes.

E não há mudança cultural que não passe por mudanças nas lideranças.

São nessas perspectivas que um coach atua e faz diferença relevante no desenvolvimento da musculatura executiva dos líderes e na velocidade dos resultados a serem alcançados.

É para isso que existimos.

Vamos em frente!

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Silvio Celestino

Sócio-diretor da Alliance Coaching

www.silviocelestino.com.br

silvio.celestino@alliancecoaching.com.br