Eu estava dando um curso para formação de mentores quando surgiu a conversa sobre a frustração do mentor de orientar seu mentorado (1), mas ele não seguir a orientação.
Não é tanto o fato de o resultado não acontecer ou ser aquém do esperado, mas, de o mentor perceber que o mentorado poderia ser muito melhor se seguisse suas instruções e aproveitasse sua experiência para aprender.
É claro que o mentor sempre acha que, se ele falasse de outro modo, se contasse mais sobre sua experiência, ou se tivesse sido mais incisivo, teria convencido o mentee a ouvi-lo.
Mas, o fato é que o aprendizado, na maioria das vezes, ocorre muito mais por repetição do que pelo acerto na escolha das palavras.
A causa disso é que as pessoas possuem graus diferentes de escuta. Ou seja, algumas são mais treináveis do que outras.
O QUE SIGNIFICA SER TREINÁVEL?
Saber se uma pessoa é ou não treinável é o princípio para descobrir se ela é ou não candidata a um processo de mentoria.
Uma boa referência é a liderança pois as mesmas pessoas que você não consegue liderar, não podem ser treinadas.
E quais são as características desses indivíduos?
#1 – Pessoas que não se responsabilizam pelo resultado de suas ações.
Se você tem um membro na sua equipe que você pede a ele para fazer algo e ele faz, mas dá errado e, então, ele culpa todo mundo pelo resultado, mas é incapaz de dizer:
– “E o que eu fiz de errado foi isso, mais isso, mais isso…”
Esta pessoa não é treinável pois não assume sua cota de responsabilidade em um evento adverso.
#2 – Pessoas com alguma patologia psicológica não tratada.
Uma pessoa com fobia, depressão, síndrome do pânico, também não é candidata a um processo de mentoria. Do mesmo modo, se você é líder de alguém que apresenta sintomas dessas doenças, deve insistir com ela para que procure um profissional habilitado, já que não conseguirá desenvolvê-la por melhor líder executivo que seja.
#3 – Pessoas que não conseguem dizer a realidade dos fatos. Ou seja, aconteceu um fato “A” e ela insiste que o que aconteceu foi “B”, seja por qual motivo for, você também não poderá liderar esta pessoa. Ela também não é candidata a ser um mentorado.
O BOM MENTORADO
Mas, excluídas essas características, o que revela um bom mentee?
#1 Humildade para entender e seguir o que aprende.
É uma pena que atualmente a obediência não é vista como uma virtude. Mas, o fato é que todas as vezes que alguém segue as orientações de um mentor competente, bem-intencionado e sábio, suas chances de sucesso aumentam.
Certa vez observei um gerente novo que tinha o sonho de se tornar CEO. Ele fazia seu trabalho com esmero e atingiu um resultado muito além da meta estabelecida para seu setor. Entretanto, a empresa estava mal e, ao contrário de sua expectativa, não seria promovido a diretor ao final do ano.
Ele ficou muito frustrado ao receber esta notícia e não achava justo ter atingido suas metas e não ser promovido, apesar de seu diretor pacientemente lhe esclarecer que a empresa precisaria de mais alguns anos para se restabelecer e que somente então seria promovido.
Ele recusou-se a esperar.
Partiu para uma busca de oportunidades na empresa – uma holding que atua em diversas áreas industriais.
Evidentemente que não conseguiu.
Entretanto, estressou tanto a seu chefe, o departamento de RH e até mesmo a líderes de outras divisões que a empresa chegou à conclusão de que ele não era maduro o bastante para o negócio, já que as decisões eram tomadas com vistas a 5, 10 e até mesmo 20 anos.
Resultado: foi demitido e nunca mais ouvi falar sobre ele.
#2 Saber ouvir.
Saber ouvir envolve duas questões. A primeira é se a pessoa gera nas demais a experiência de que são ouvidas e a segunda se é capaz de interpretar as várias camadas de uma orientação.
Ninguém se sente ouvido se é interrompido a toda hora, se a pessoa não presta atenção no que está sendo falado ou se o ouvinte está olhando no celular enquanto ouve o mentor.
Mas, é o segundo ponto o que exige mais da pessoa: as palavras são ferramentas que usamos para descrever a realidade e transmitir o que desejamos, mas demandam que o interlocutor tenha uma boa compreensão delas.
Isto significa, não apenas conhecê-las, mas saber interpretar a intenção de quem as diz, o contexto e as diversas camadas de idéias que elas transmitem.
Por esta razão a leitura de livros clássicos é fundamental (2), já que são os bons autores que tornam as experiências reais dizíveis.
Sem este treino ocorre um fenômeno muito frequente que é a pessoa dar a sua interpretação ao que o outro diz de uma forma dicionarizada. Isto é, como se as palavras tivessem somente o sentido que lhes dá o dicionário, independentemente do contexto e da intenção de quem a pronuncia.
Mas, em um diálogo entre pessoas normais, nem sempre você tem o tempo, a oportunidade e o talento para escolher com esmero as palavras que utilizará para expressar-se. Portanto, é a vontade sincera de comunicar e de entender o que é comunicado que conta.
Ela que faz com que interlocutores se questionem não com o intuito de responder a uma afirmação, mas de entendê-la.
Em geral, as pessoas acreditam que examinar um problema é ser contra ou a favor de algo, quando, na verdade, é preciso primeiro saber estruturá-lo, compreendê-lo e concluir se há ou não um problema, quais suas características, quais aspectos levar em conta, o que se precisa saber a respeito dele, seu histórico, o que é impossível saber e assim por diante.
Isto demanda tempo, paciência, prudência e muito esforço intelectual.
SABER OUVIR É UMA HABILIDADE PARA TODOS
Portanto, embora tenha me referido à escuta sob o ponto de vista do mentorado, o mentor também deve atentar para o parágrafo acima pois é o desejo de chegar o quanto antes a conclusões que faz com que a escuta seja deficiente.
Se você observar, vivemos um mundo recheado de teses a respeito de tudo: do comportamento humano aos fenômenos do planeta.
Mas, nosso conhecimento sempre é genérico e as coisas e eventos são específicas. Portanto, todo processo de mentoria é singular: um mentor e um mentorado específicos em busca do desenvolvimento deste segundo.
Quando se tenta classificar um mentorado em uma tese anterior perde-se a singularidade do indivíduo e da situação.
Por esta razão que ouvir é uma habilidade que deve estar presente em ambos.
A escuta ativa é permeada de perguntas profundas e que conduzem para a interpretação do contexto do mentee, dos seus problemas e de como o conhecimento, experiência e intuição do mentor podem contribuir com ele. Esta articulação é que move o processo de mentoria.
O importante é que o mentorado faça um esforço genuíno para alcançar o entendimento mais profundo do que o mentor deseja lhe transmitir.
Já o mentor deve escutar o mentee como um personagem a ser descoberto em meio a uma aventura que ele já percorreu, mas sempre atento de que é uma nova aventura e, portanto, com elementos que precisam ser reconhecidos e compreendidos antes de transmitir sua experiência e conhecimento.
O que desejamos é dar um porto seguro ao mentorado para que ele possa sempre se abastecer de idéias, descansar a mente e fortalecer-se para seguir na direção que escolheu, mesmo que o mar esteja turbulento e haja tempestade no céu.
Afinal, o importante é o porto de chegada que é onde a atenção de sua mentee já se encontra e seu espírito deseja repousar no futuro.
Conte comigo no que puder contribuir com você.
Vamos em frente!
Silvio Celestino
Sócio-Diretor da Alliance Coaching
Notas:
(1) O candidato a um processo de mentoria pode ser chamado de mentorado, mentoreado ou mentee.
(2) Você pode encontrar uma lista de livros clássicos em dois outros livros:
“Como ler livros” – de Mortimer Adler – https://amzn.to/3Dd7Ayx
“História da Literatura Ocidental” – de Otto Maria Carpeaux – https://amzn.to/3c8HfpD