A PACIÊNCIA PARA OS DEBATES CONTROVERSOS

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A PACIÊNCIA PARA OS DEBATES CONTROVERSOS

Artigo publicado originalmente no LinkedIn


Quando me referi, nos artigos anteriores, de que o conhecimento somente pode advir de idéias contrárias, não estava me referindo a opiniões.

Vivemos um período da história no qual a opinião adquiriu um status elevado. Saber opinar tornou-se mais importante do que aprofundar-se no estudo e conhecimento a respeito de um tema para descobrir a verdade.

Neste sentido, muitos diálogos são recheados de insinuações, meias-verdades e mentiras com um verniz de verdade criado a partir de uma lógica convincente.

Entretanto, quantos eventos em nosso quotidiano e na história são puramente lógicos?

A lógica somente deve ser utilizada para aquilo que é verdadeiro. Mas, no exame da realidade, precisamos exercitar a linguagem apropriada para aquisição e transmissão do conhecimento em acordo com o evento que se mostra possível, verossímil, provável ou certo.

E fazermos a correspondência com a poesia, a retórica, a dialética e o discurso lógico para expressá-lo.

Sem isso é muito difícil acharmos as poucas verdades que temos e dialogarmos sobre temas controversos.

COMECE PELO QUE VOCÊ CONHECE

Alguns executivos que treino estão muito incomodados com certos temas que precisam endereçar e que são trazidos de maneira desconexa com os negócios.

De fato, há algum tempo as empresas têm sido cobradas por investir tempo e recursos em assuntos que seriam mais bem desenvolvidos em fóruns de estudo do que em salas de reuniões empresariais.

Afinal, é muito difícil lidar com certos assuntos quando você está preocupado e sendo cobrado pelo resultado financeiro da empresa.

Em geral, o executivo acaba engolindo certas idéias e transformando-as em ações nem sempre apropriadas para lidar com o tema, mas, ao menos, tira-o da frente e fica menos constrangido.

É o caso das recentes ações empresariais para se lidar com um suposto racismo estrutural existente em nossa sociedade e consequentemente nas empresas.

Não quero aqui criticar ninguém, mas apenas usar um tema controverso como exemplo do quanto um executivo precisaria saber para entrar no debate.

E o quanto considero isto uma demanda inadequada para o ambiente empresarial.

Em geral, quem tem conduzido estes assuntos são especialistas que são eles mesmos a prova de que o tema é inexistente ou, no melhor dos casos, não é exatamente como o descrevem.

QUAL O HISTÓRICO DO PROBLEMA?

Para você que é meu leitor, compartilharei o máximo que sei a respeito do tema para facilitar-lhe ingressar em uma palestra ou evento em condições de participar e comparar informações.

Entretanto, lembre-se que todo conhecimento começa com o que você sabe.

Por exemplo, no meu caso, os dois clientes que mais ganharam dinheiro no último ano são negros: um trabalhava na área de infraestrutura de uma empresa que foi vendida para um fundo e foi bonificado, e outro atingiu as condições de carência para sua stock options.

Além disso, os únicos casos que conheço de racismo foram os que vi pela mídia. Nunca presenciei.

Portanto, resgate, leitor, a sua experiência a respeito que pode ser muito diferente da minha. Mas, ambas são verdadeiras e é isto que importa: reconhecer a verdade.

LEIA OS DOCUMENTOS

Toda vez que pretender participar de um debate sobre um tema, é importante, após relembrar seu conhecimento e experiência a respeito, que você conheça o histórico do problema.

Entretanto, muitos executivos não possuem tempo ou a disposição para ler os livros a respeito. Então compartilharei com você uma introdução para que possa se situar.

NÚMEROS

A população negra do Brasil representa 9% (1) do total, portanto, a cada 100 colaboradores uma empresa deveria ter 9 desta ascendência. Embora isso evidentemente varia em acordo com a região do país onde ela está.

HISTÓRIA

Não vou me estender na história da civilização ocidental e da brasileira em particular.

Mas, recomendo a todos estudarem como a cristianização do Império Romano extinguiu a escravidão em seus domínios e como ela, da maneira que a conhecemos no Brasil do passado, foi um fenômeno que se originou na África. Os negros se escravizavam mutuamente.

No século XVI, um negro poderia morrer de fome na África ou em lutas com outras tribos, ser escravizado e ir parar no mundo árabe islâmico onde seria castrado – evento que matava 70% deles – ir parar nos Estados Unidos, onde não lhe seria permitido expressar nenhum elemento de sua cultura original, ou vir para o Brasil.

Nosso país originou-se a partir de 700 anos da luta contra o elemento Mouro na península Ibérica, iniciada no século XII. Esta expansão, que começou pelo reino das Astúrias, teve momentos de fundamental importância para a civilização brasileira.

O principal foi a batalha de Ourique, 1139, na qual Afonso Henriques, futuro rei de Portugal, se vê encurralado por um exército mouro 10 vezes maior que o seu. Ele tem uma visão de Jesus Cristo que lhe promete a vitória e, em troca, lhe dá a missão de espalhar a fé católica pelo mundo (2).

Quando do fim da expulsão dos mouros da península, o espírito de conquista e de expansão da fé católica permanece nos portugueses e encontra nas grandes navegações o meio de saciá-lo.

É por isso que, quando da comunicação ao rei de Portugal da descoberta do Brasil, ao fim de sua carta, Pero Vaz Caminha afirma sobre o que fazer com as terras que encontrara a esquadra de Pedro Álvares Cabral:

“Águas são muitas; infindas. (…) Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. (…) Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.”

Portanto, o Brasil nasceu e existe para a expansão da fé católica.

A introdução de escravos foi uma mancha terrível em nossa história – e recomendo a todos que visitem Ouro Preto, em Minas Gerais, especialmente a casa dos contos, onde você pode visitar o que era uma senzala – é uma experiência que toca profundamente sua alma por imaginar quão dantesca era a vida dos escravos.

Mas, soubemos contorná-la a partir da miscigenação de portugueses, índios e negros. A escravidão não teve como prosperar a partir de uma cultura católica que prega a liberdade a nós dada por Deus.

O resultado disso é que temos hoje cerca de 50% de nossa população mestiça. E isto é confirmado desde o começo por livros como “História da Literatura Brasileira” de Silvio Romero que destaca em muitos pontos ser a raça mestiça a predominante no Brasil.

Não existe paralelo no mundo.

Aliás, eu inclusive, já que sou descendente de negros, portugueses e italianos. E agora que me lembrei, enquanto escrevo, que meu amigo mais antigo me chama de negão.

O QUE O BRASIL TEM A ENSINAR SOBRE O TEMA

Lembremos que o fim da escravidão nos Estados Unidos foi em meio à uma guerra civil e em nosso território a escravidão terminou, graças à lei Áurea, de 13 de maio de 1888, assinada pela Princesa Isabel, “A Redentora”, com uma santa missa de dimensões colossais.

Foto de 17 de maio de 1888 – Missa Campal de Ação de Graças pela Abolição da Escravatura

Portanto, o Brasil não tem nada a aprender sobre racismo com outras nações e tem tudo a ensinar.

SEM PROFUNDIDADE NA BUSCA DAS CAUSAS NÃO SE ENCONTRA A SOLUÇÃO DE NENHUM PROBLEMA

A mancha da escravidão no Brasil iniciou-se entre 1539 e 1542, e foi até 1888 quando a princesa Isabel declarou, ao ser alertada que a lei Áurea poderia custar-lhe a coroa: “Se mil reinos eu tivesse, mil reinos eu daria para acabar com a escravidão”.

Um povo católico não pode ser perpetuador da escravidão.

Nossa cultura empresarial infelizmente busca explicações rápidas e lógicas para estas questões e que normalmente são oferecidas por pseudointelectuais.

Mas, o fato de você compreender uma explicação não significa que ela seja correta.

Principalmente quando leva a soluções ainda mais simplistas e que criam um cenário de recusa à dedicação ao estudo mais aprofundados das causas mais complexas de uma questão.

Mas, se você deseja resolver um problema e não souber a verdade necessária para isso, então nunca estará qualificado para lidar com ele e não deveria agir para resolvê-lo.

Temos ainda uma questão relevantes a responder:

Se não é por racismo, por que da abolição da escravatura até os dias atuais, o negro não assumiu com maior frequência postos de destaques?

Uma visão mais atenta mostra que isto não é uma descrição completa da realidade.

O PONTO MAIS ALTO DA SOCIEDADE

Nosso maior escritor, Machado de Assis, é negro. Na verdade, quase toda a nossa literatura é feita por negros.

Achar que ter um cargo de liderança em uma empresa é uma posição superior na sociedade é uma falta de conhecimento pois “nada acontece na política de um país que não esteja antes em sua literatura” (4). Portanto, um bom escritor exerce mais influência no país do que um gerente, diretor ou CEO.

E se tivermos a curiosidade de ver a história do negro no Brasil, veremos sua presença em inúmeras áreas. Em São Paulo, por exemplo, a Avenida Rebouças é em homenagem aos Engenheiros André e Antônio Pinto Rebouças, que, no período imperial, solucionaram o problema de abastecimento de água do Rio de Janeiro, construíram estradas de ferro e inventaram um torpedo usado na guerra do Paraguai, entre outras obras (5).

NAS EMPRESAS

Mas, voltando à questão de não os encontrar tanto assim em cargos de liderança nas companhias.

Logo após a abolição da escravatura, se o negro quisesse ter emprego mais digno nas empresas, seria preciso primeiro que elas existissem.

Quando começou o processo de industrialização no Brasil?

Começou na década de 1930, quando o ditador Getúlio Vargas assinou os primeiros decretos que facilitavam a industrialização no país (6). Por este motivo, entre 1888 e 1930, a população negra aumentou sem um correspondente aumento do número de empregos.

Entretanto, de lá para cá o nível de renda daqueles que são considerados negros só aumenta em consequência de haver mais oportunidades e sua maior penetração nas empresas, em cargos maiores e mais bem remunerados. Como os exemplos de meus dois clientes.

TENDÊNCIA

Portanto, se mantivermos o crescimento da economia e, principalmente a melhora educacional nas próximas décadas – iniciada com o excepcional trabalho do secretário de alfabetização, Sr. Carlos Nadalin, teremos mais pessoas, inclusive negras, alfabetizadas, em condições de aprender e capacitadas para assumirem postos cada vez mais relevantes na empresa.

Se os dirigentes de empresa desejam realmente que haja mais negros em suas lideranças, recomendo que ajudem o trabalho do Sr. Carlos Nadalin a ser fomentado com maior velocidade em todo o Brasil.

Uma pessoa alfabetizada de verdade, que seja incentivada e abrace a leitura constante e bem orientada será capaz de aprender qualquer coisa, inclusive a ser um líder um executivo empresarial.

E para ser contratado como tal, precisará de empresas sadias e em crescimento.

O QUE É ESTRUTURA?

Para que uma idéia seja fomentada é preciso que alguém fale, escreva ou a divulgue de algum modo.

Procure por algum grupo de pessoas que fomente o racismo no Brasil por estes meios e verá que ele não existe.

Nenhuma idéia se propaga de maneira mágica.

Os episódios de racismo que vemos no Brasil denotam um racismo circunstancial, ou seja, indivíduos que, por atos e palavras, excluem ou humilham outros por sua cor de pele. E para este racismo já existe a lei.

CONCLUSÃO

Minha intenção aqui foi apenas de mostrar sinteticamente a história até chegarmos aos dias atuais, de maneira que o executivo tenha um ponto de partida para discutir esta questão.

Abaixo, no item (8), apresento uma literatura que recomendo a leitura se você desejar se aprofundar no tema, antes mesmo de ler os livros mais atuais. E, é claro, que você não o fará rapidamente – nem eu ainda o fiz – embora saiba o conteúdo dos livros porque participei de longas aulas a respeito do tema.

O importante é que você compreenda que não é possível compreender algo tão complexo de maneira rápida.

Que para construir a topografia do contexto atual você terá de juntar muitas peças de um quebra-cabeça que não preservou todas as peças, algumas não se encaixam e outras aparentam não fazer parte dele.

Mas, é esta absorção de diversos pontos oriundos de estudiosos que paulatinamente formam uma imagem mais clara e próxima à verdade.

E é ela quem deve servir de baliza para suas conclusões e ações no intuito de contribuir com o tema no âmbito da empresa e do país.

Dá muito trabalho e por isso mesmo acho muito cedo cobrar solução vinda das empresas. Pois ainda não observo executivos com conhecimento suficiente para participarem do debate e, consequentemente, contribuir. E também vejo com muitas restrições o conhecimento que têm sido fomentado a respeito.

Vamos em frente!

Silvio Celestino

Diretor da Alliance Coaching

silvio.celestino@alliancecoaching.com.br

Whatsapp: (11) 9 8259-8536

(1) Dados do IBGE https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18319-cor-ou-raca.html utilizados pela Fundação Palmares: http://www.palmares.gov.br/

(2) Entre a Cruz e a Espada –  https://www.youtube.com/watch?v=TkOlAKE7xqY

(3) http://www.mineirosnaestrada.com.br/casa-dos-contos-ouro-preto/

(4) Hugo Von Hofmannsthal

(5) André Rebouças –  https://pt.wikipedia.org/wiki/Andr%C3%A9_Rebou%C3%A7as

(6)  https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/116700/decreto-22636-33

(7) https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/secretaria-de-alfabetizacao-lanca-o-relatorio-nacional-da-alfabetizacao-baseada-em-evidencias

(8) Literatura recomendada na aula 148 do Seminário de Filosofia:

Islam’s Black Slaves, de Ronald Segal; https://amzn.to/37OgwxM

L’esclavage en terre d’islam, de Malek Chebel; https://amzn.to/3msQmo9

Afrique: l’histoire à l’endroit, de Bernard Lugan; https://amzn.to/37Hdv2a

Quand les noirs avaient: des esclaves blancs, de Serge Bile, (autor africano); https://amzn.to/3e68tgW

Slavery in the Arab World, de Murray Gordon,  https://amzn.to/3msRHLH

Les Négriers en terres d’islam: La Première traite des Noirs, VIIe-XVIe siècle, de Jacques Heers; https://amzn.to/3kzOUjp

Le génocide voilé: Enquête historique, de Tidiane N`Diaye; https://amzn.to/2G5ek9F

O genocídio ocultado, investigação histórica sobre o tráfico negreiro árabo-muçulmano, de Tidiane N`Diaye; https://amzn.to/34vmUb4

White Gold: The Extraordinary Story of Thomas Pellow and Islam`s One Million White Slaves, de Giles Milton; https://amzn.to/2HFevJv

White slaves, African Masters: An Anthology of American Barbary Captivity Narratives, de Paul Baepler; https://amzn.to/3oxL5O5

Histoire de l’Afrique des origines à nos jours, de Bernard Lugan; https://amzn.to/3e2DLF9

Pour En Finir Avec la Repetance Coloniale, Daniel Lefeuvre; https://amzn.to/34wrXbi

L’esprit du sérail: Mythes et pratiques sexuels au Maghreb, de Malek Chebel; https://amzn.to/3e0sgyh