ESCOLHA SABIAMENTE O QUE MEDIR

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ESCOLHA SABIAMENTE O QUE MEDIR

Lembro-me que, no fim da década de 1980, assisti à entrevista de um brasileiro, se não me engano André Azevedo, que pioneiramente participara do Rally Paris-Dakar na categoria motos.

Ele dizia duas curiosidades a respeito da sua participação: primeiro, não era possível correr de moto à noite devido à baixa potência do farol que o tornava incapaz de iluminar suficientemente a rota.

A segunda coisa era que, por vezes, ele parava para poder se localizar e conferir a bússola. Entretanto, olhava à direita e via corredores à distância. Olhava à esquerda e via corredores no horizonte daquela direção também. Como isto era possível se todos estavam com os mesmos mapas e instruções de navegação e, portanto, deveriam estar próximos?

Foi então que, em determinado momento, percebeu que, ao se afastar da moto, a agulha da bússola se mexia. E somente então se deu conta de que o motor interferia na leitura do instrumento.

Evidentemente ele estava longe da rota correta e não percebera.

A MEDIDA DEPENDE DO SER HUMANO

A primeira vez que li a frase “aquilo que não é medido, não é gerenciado”, foi em um livro de Balanced Score Card – BSC – de Robert Kaplan.

De fato, se você não prestar atenção nas vendas, no faturamento, no EBITDA e em tantos outros números da empresa, será impossível saber se está na direção certa.

Entretanto, uma das primeiras frustrações intensas que vi com o BSC foi de uma gerente em uma empresa de cartões de crédito que seria rebaixada de cargo porque, segundo seu diretor, ela não performava bem em gestão de pessoas.

Só havia um problema, o BSC dela marcava 5, que era o maior valor possível.

A decisão foi tão chocante que ela foi parar em um psicólogo para lidar com a questão.

Existe, portanto, um fator fundamental que interfere no uso da medida: o ser humano. Pois, é ele quem a faz e quem a interpreta.

Assim como o piloto sem experiência no começo do texto estava erradamente fazendo a leitura da bússola, sem um orientador a respeito de como fazer a medição correta teremos pessoas que registrarão números errados em seus relatórios.

Mas, mesmo que o indivíduo saiba ler corretamente os números, a moralidade dele pode interferir no registro e na interpretação dos dados.

POR QUE AS PESSOAS FRAUDAM OS NÚMEROS?

No caso do chefe da gerente que mencionei, o problema não era que ele não sabia ler o BSC, mas era um momento de crise e ele tinha de ajustar o organograma da empresa seguindo uma decisão top down vinda da matriz no exterior.

Sem saber como justificá-la, ele simplesmente desconsiderou o BSC e inventou o que achava ser a explicação para o downgrade da executiva.

Essa queda moral na interpretação de números é frequente em momentos de crise.

Já vi pessoas cuja honestidade diminui conforme os problemas aumentam.

Fazem isso para salvar seus empregos ou seu bônus de final de ano.

Em 2018, acompanhei de longe executivos em uma multinacional descobrirem, há poucos meses do fim do ano, uma fraude na comercialização de seus produtos em uma região do globo. A fraude, entretanto, inflaria o bônus anual deles.

Por conta disso, fizeram vistas grossas para ela até a virada do ano. Não preciso dizer o quanto isso representava de prejuízo para os acionistas, mas também para a moral daqueles que descobriram a fraude e entenderam muito bem como os altos executivos lidaram com ela e o porquê.

SEM MORALIDADE, NÃO ADIANTA MEDIR

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Portanto, um aspecto negligenciado por muitos é que, por mais que a tecnologia nos forneça montanhas de dados a respeito do que está acontecendo, ela não pode substituir a moralidade das pessoas que os recebem e interpretam.

Os interesses pessoais e de grupos dentro da empresa interferem em como os números são obtidos, registrados e interpretados.

O bom líder procura aprofundar seu conhecimento sobre a natureza humana justamente para reconhecer esta realidade e lidar com ela.

Já que as medidas podem ser escolhidas por quem faz a gestão, a inteligência em escolher o que medir e como, faz com que tenha maior acerto de para onde olhar para saber a realidade.

É evidente que o gestor mais experiente leva uma vantagem enorme sobre o jovem, uma vez que reconhece, aceita e lida melhor com a natureza humana.

FOCO NA VERDADE

Apesar de todo o esforço de governança dos dias atuais, é no desenvolvimento das virtudes que teremos maiores chances de sucesso na condução dos negócios.

Afinal, justamente por não sermos perfeitos que devemos focar no aprimoramento constante e que nos fortaleça para que, nos momentos difíceis, possamos encarar a realidade por mais desfavorável que seja a nós e encontrar caminhos pautados na verdade para seguirmos.

Pois, no fim, é a verdade que prevalecerá, independentemente de nossos erros, medos e interpretações.

Saibamos encontrá-la e agir em acordo com ela para o bem dos negócios e das pessoas.

Vamos em frente!

Silvio Celestino

Sócio-diretor da Alliance Coaching